5 de maio de 2010


Vichyssoise
(a Carlos Teófilo e a Mariana Morais)

Estão convencidos de que sabem fazê-la, de tal modo ela parece simples, e muitas vezes não lhe dão a devida importância. É preciso que coza entre quinze e vinte minutos e não durante duas horas – todas as mulheres francesas deixam cozer demasiado os legumes e as sopas. Mais vale deitar os alhos porros na panela quando as batatas começam a ferver: a sopa fica com um tom esverdeado e ganha um aroma mais vivo. Alem disso é preciso dosear bem os alhos porros: dois alhos porros médios são suficientes para um quilo de batatas. Nos restaurantes esta sopa nunca fica em condições: fica sempre cozida demais, demasiado “retardada”, triste, morna, e acaba por incluir-se na lista comum das sopas de legumes.

Não, devemos querer fazê-la com cuidado, evitar esquecermo-nos dela ao lume, para que não perca o sabor. É servida sem nada , ou com manteiga ou natas frescas. Também podemos juntar-lhe uns pedacinhos de pão torrado no momento de servi-la: dar-lhe-emos então um outro nome ou inventaremos um qualquer – deste modo as crianças comê-la-ão com mais vontade que se lhe dermos o nome ridículo de sopa de alhos porros com batatas.

É preciso tempo, são precisos anos para reencontrarmos o sabor desta sopa, imposta às crianças sob diversos pretextos ( a sopa faz crescer, faz os meninos bonitos, etc.). Não há nada na cozinha francesa que se possa igualar à simplicidade e à necessidade da sopa de alhos porros. Deve ter sido inventada numa região ocidental, numa noite de Inverno, por uma mulher ainda jovem, pertencendo à burguesia local, que, nessa noite, sentiu aversão aos molhos gordos – e a outras coisas mais, sem dúvida – mas sabia-o ela? O organismo absorve esta sopa com satisfação. Digamo-lo sem ambiguidades: não tem a suculência do toucinho, não é sopa para alimentar ou aquecer, não é sopa magra para refrescar, o corpo sorve-a em grandes tragos, purifica-se, depura-se, embebendo os músculos nesta verdura primitiva. O seu aroma espalha-se nas casas muito rapidamente, é muito activo, vulgar como a comida do pobre, o trabalho das mulheres, o vomitado dos recém-nascidos. Pode não nos apetecer fazer nada e depois, fazer isso, sim, fazer essa sopa: entre estas duas vontades, uma margem muito estreita, sempre a mesma – o suicídio.

Marguerite Duras - Outside – notas à margem. Lisboa, Difel, 1976. [Trad. de Maria Filomena Duarte

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